Alemanha: Relato do meu High School
Meu intercâmbio para a Alemanha foi há quase 4 anos atrás. Embarquei em agosto de 2016, com uma coragem de preencher o peito, e a absoluta certeza que estava fazendo a coisa certa. Aquela não era minha primeira grande viagem, e nem minha primeira vez sozinha no aeroporto de Guarulhos - era logo a terceira. O High School era algo que todos sabíamos que ia acontecer em algum momento - a gente só não imaginava que fosse ser para a Alemanha.
Embarque & Paris
Eu fiz 11 meses de alemão antes do dia do embarque, minha pontuação era um B1.1., forçando a barra. Eu tinha zero segurança para falar o idioma, e entendia menos ainda. Conseguia ler e pedir água e um pretzel, se tudo desse errado. Mas eu fui, porque afinal de contas a chance estava ali, plantada na minha frente, e só cabia a mim agarrá-la.
Eu tive a chance de passar uns dias em Paris, onde uma prima morava, e turistar intensamente pela cidade luz antes do desafio real. É fácil ter coragem quando a perspectiva são dias com um rosto amigo na cidade mais encantadora do mundo. Não foi assim tão fácil pegar o avião para Berlim. Era 6h no Brasil, minha mãe estava dormindo e o voo da Air Berlin estava super atrasado - o que me deu muitas horas para pensar em formas de fugir dali. Meu estômago estava tão revirado que eu não conseguia comer.
Berlim: Curso de Idiomas
Desembarcar em Berlim foi uma aventura, eu não conseguia me comunicar com absolutamente ninguém. Entendia muito pouco do alemão, e nadinha do sistema de transporte público - eu e minhas duas malas de 32kg. Mas na mesma intensidade em que foi assustador, meu mês no curso de idiomas em Berlim foi incrível. Eu tinha 16 anos, Berlim se tornou minha cidade favorita no mundo todo e as memórias que vem a minha cabeça são de tardes no parque do lado da catedral, de descobrir campos soviéticos perto de lagos lindos ao redor da cidade, lembro perfeitamente do primeiro dia em que eu literalmente trombei no portão de Brandenburg enquanto tentava achar um lugar para comprar uma escova de cabelo. Quando alguém me pergunta de um momento feliz da minha vida, é Berlim que me vem à cabeça em primeiro lugar. Eu ouço as músicas dessa época e o filme inteiro passa na minha cabeça. Meus amigos dessa viagem existem até hoje, e a gente ainda se encontra em momentos especiais da vida. Berlim mudou tudo, e muda até hoje.
Chegada a Nuremberg
Entretanto, meu destino final não era Berlim, mas sim uma cidade no norte da Baviera. Nuremberg é a cidade onde o julgamento do Terceiro Reich ocorreu, e foi cidade chave no avanço nazista na Alemanha. Ela é inteira murada e tem um “castelo”, herança do Sacro Império Romano-Germânico. As pinturas da Nuremberg de 1700 são muito similares com a cidade de hoje. Minha mãe havia estado nessa cidadezinha em seu mochilão quando ela tinha 21 anos (a mesma idade com a qual escrevo agora). Mas estava em choque no trem descendo para o sul no dia do meu aniversário de 17 anos.
Foram 48 horas de choque, para ser precisa. Minha host family oficial estava voltando de férias na Sicília e eu fiquei em uma família provisória. Eles eram fofos, mas eram mais velhos - o que significa que não falam o alemão comum (Hochdeutsch), mas sim o dialeto local, fränkisch. Eu não entendia uma palavra. Dois dias inteiros atormentando meus pais no Brasil, sem conseguir ingerir o pão preto que eles tanto comiam (não recomendo). Até que chegou o domingo à tarde e eu fui para casa.
Host Family/Gastfamilie
Sorte é um conceito estranho para mim, eu realmente acredito que a gente cria nossa realidade, mas minha host family é um mistério da fé. Foi sorte demais. Não sei se foi a energia do lugar e das pessoas, ou o sorriso enorme no rosto da garota loira de 14 anos me esperando na entrada. Como uma sensação de alívio imediato, aquela alemã me deu um abraço e eu me senti 65% melhor. A casa ficava ao sul de Nuremberg, em uma pequena vila chamada Rednitzhembach (eu demorei uns dois meses para conseguir pronunciar isso), era grande, tinha um jardim, um pula-pula e quatro alemães dóceis como você nunca acreditaria que um alemão poderia ser.
A partir daí, a escola se tornou só mais uma coisa. Ainda tinham dias difíceis, eu não entendia nem metade do que me falavam na maior parte do tempo, mas eu voltava para casa e minha irmã, Jasmin, entendia tudo, e eu a ela. Nós costumávamos sentar e conversar por horas sem parar depois da escola todos os dias. Para ser sincera, eu não percebi e não sei dizer direito em que ponto aconteceu, mas um dia eu percebi que eu separava os verbos nas frases sem esforço (Em alemão, ligar para alguém é anrufen, e em uma frase, ele se separa assim: Ruf mir an = me ligue), entendia meus colegas de classe falando em dialeto e troquei o nichts pelo nix do fränkisch.
Escola
Na escola, eu tinha uma professora de educação física e inglês que era engraçadíssima e se irritava comigo e minha melhor amiga e xará, Isabella, que era irlandesa e falava inglês melhor que ela. Minha professora de alemão era nascida no Brasil e me puxou tudo o que ela pôde, me fazendo ler livros em voz alta para a sala e fazer trabalhos em grupos com alunos locais, ela levou a sala para assistir a peça de teatro do livro depois e, no fim, minha redação sobre o livro foi premiada, um dos maiores orgulhos do meu intercâmbio inteiro. As outras matérias eram experiências à parte, quem diria que carbono chama Kohlenstoff? Às sextas, eu ia para a escola à tarde fazer aulas de violino, e amava meu professor com todo o meu coração.
Viagens
Em família, nós íamos passear nos lagos nos finais de semana e fazíamos abóboras de Halloween e biscoitos de Natal. Eu viajei muito pela Alemanha e por países vizinhos durante os 7 meses, fui a Stuttgart visitar um amigo que conheci em Berlim, a Passau na Áustria com a minha família buscar a Lucy - nossa gatinha que chegou junto comigo, conheci Praga e dancei a noite toda com outras intercâmbistas brasileiras, visitei uma amiga que conheci em um curso de férias, em Oxford, no ano anterior, na Espanha, e aproveitei para visitar uma prima em Barcelona.
Aliás, quando embarquei para a Europa tinha um sonho de conhecer os 3 B’s: Berlim, Barcelona e Budapeste - mas não tinha a menor fé que os três estavam prestes a acontecer. Fui à Budapest pouco depois de voltar da Espanha, em novembro. Os dias foram de sol e nenhum dos meus 3 sonhos deixou a desejar. Na rota para Budapeste ainda passei por Viena, Salzburg, Bratislava, Augsburg, Munique, Bruxelas, Colônia, Hannover, Leipzig e tantos outros lugares. Em janeiro, fui para o norte da Itália, na região de Süd Tirol para uma viagem de esqui com a minha família; era um cenário tão perfeito que eu às vezes precisava parar para sentir aquilo, a sensação de estar ali.
O Fim
Era como se todo dia fosse absolutamente incrível, e era. Eu apreciava tanto as pequenas coisas, brincar de Lego com o Marcel, meu irmão, conversar por horas e horas com a Jasmim, ouvir o Uli falar sobre a paixão dele pelas montanhas e ver a Linda, sempre tão dura, se derretendo aos poucos. Eu nunca vou esquecer a Mado e a Isabella organizando uma surpresa de despedida com a minha família, com direito a velas azuis, panquecas e muitos morangos. Elas juntaram minhas coisas preferidas em uma noite e me deram presentes de despedida.
Como se eu já não tivesse tido toda a sorte do mundo nos meses anteriores, meus pais foram até a Alemanha me buscar, e minha família alemã os recebeu em casa. Juntos, nós fomos até o sul no Neuschwanstein Schloss, o castelo da Cinderela, e eles puderam se conhecer antes do dia de ir embora. A gente chorou tanto, e foi tão difícil ir. Meu irmãozinho com os olhos azuis completamente cheios de lágrimas e Linda dizendo “você é nossa filha”, acabaram comigo. Mas eu tinha que ir, de novo.
Não foi um retorno fácil. Aprender a voltar faz parte da experiência do intercâmbio, e é desconfortável como toda grande mudança. A Alemanha me fez crescer e perceber o potencial que reside em mim frente ao mundo. Aquelas pessoas ainda existem e me constroem. Minha Gastfamilie veio ao Brasil em Setembro de 2017 e eu tenho uma passagem comprada para depois da pandemia. Eu ainda falo alemão e converso com eles quase todas as semanas. Comemoro de longe cada uma das muitas conquistas deles, da Isabella e da Mado. Meus amigos brasileiros ainda se fazem presentes nas situações mais improváveis. Quando eu ouço minha playlist da Alemanha, é como se eu estivesse lá de novo.
Espero que você enfrente o mundo com uma coragem de preencher o peito, e que se lembre que o medo e o estômago embrulhado são condições de existência para a coragem se manifestar.